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Sonia Abreu, nossa primeira DJ, ganhará homenagem no SP na Rua

Claudia Assef

06/09/2019 17h58

Quando eu tinha 13 anos, isso lá no meio dos anos 80, a música era a minha forma de viajar pra outros lugares. Morava com meus pais, em São Paulo, então podia me dar o luxo de guardar o dinheiro do meu lanche para comprar discos quando ia ao supermercado com minha mãe.

Internet não existia, e as informações sobre que discos comprar você conseguia diretamente na loja, se tivesse a sorte de ter um vendedor antenado, assinando revistas importadas ou – principalmente, eu diria – ouvindo programas de rádio.

Foi ouvindo rádio, mais especificamente a 89FM, que eu conheci a Sonia Abreu. Eu era freguesa da emissora, onde eu me conectava com programas como o Novas Tendências, do José Roberto Mahr. No programa da Sonia, não eram exatamente as músicas que me atraíam, já que, àquela altura, eu gostava mesmo era de rock inglês e do começo da música eletrônica, e ela tocava "sons do quarto mundo", um jeito muito particular de se referia à world music. Eu gostava era da Sonia mesmo.

Ficava imaginando de onde vinha aquela voz grossa, um pouco afetada, com um vocabulário viajandão, muito único. Gostava também do fato de ela ser uma mulher, em meio a uma maioria de caras que dominavam a programação.

Acompanhei o programa até meus 16 anos, por aí, quando fui morar nos EUA para terminar o colegial e me desconectei por um bom tempo do que rolava no dial brasileiro. Já na faculdade, cursando jornalismo, já sabia que ia querer escrever sobre música. Até tentei uma incursão em política internacional, mas o bug da música sempre me puxava de volta. Comecei a escrever no caderno Folhateen com uns 20 anos e daí em diante fui me enfiando cada vez mais no jornalismo musical. Lembrava de quando ouvia Sonia Abreu contando sobre suas descobertas, muito mais profundas do que as minhas, e seguia seus passos, tentando criar uma persona "novidadeira" como dizia o Pedro Alexandre Sanches, meu contemporâneo de redação do caderno Ilustrada.

Foi trabalhando nesse caderno que emplaquei minhas primeiras capas focadas em música eletrônica nacional: Marky, Patife, festas de techno na periferia de São Paulo… e cada vez mais tinha vontade de investigar quem eram, afinal, o pai e a mãe dos DJs brasileiros.

Em 2002 fui demitida do jornal e, com raiva, investi meus esforços em escrever um livro contando a história da profissão DJ no Brasil. Em seis meses dormia, respirava, comia, acordava focada 100% no trabalho que se transformou no livro Todo DJ Já Sambou. Foi nesse período que conheci a Sonia e vi de perto que ela era ainda mais interessante do que a locutora de voz firme que eu ouvia no rádio.

Por algum motivo que ainda não sei bem qual, ela me escolheu. Gostava de me ligar pra falar de música, queria tocar nas minhas festas, em pouco tempo conheceu minha mãe, ficou amiga da minha irmã e de amigos queridos meus, como o DJ Marky. Muito mais do que uma personagem do livro, ela virou família.

Nos últimos dez anos ela esteve presente em todos os meus momentos mais importantes: nascimento das minhas filhas, aniversários e até domingos na casa da minha mãe. Escrever sua biografia portanto era algo mais do que natural e, como ela dizia, seria o último legado dela.

No dia em que fomos buscar as primeiras cópias do livro Ondas Tropicais na editora Matrix, estava de carona no carro dela. Pegamos umas cinco cópias cada uma, entramos no carro, abrimos os pacotes e ficamos nos deliciando com as páginas. Minha maior alegria, uma das maiores da minha vida, é que ela tinha adorado o livro, estava plena. E me disse, ainda dentro do carro: "porra, Claudia, o livro ficou foda. Agora posso morrer".

Eu mandei ela calar a boca, que papo era aquele de morrer etc. Mas os mais chegados sabem que a ideia da morte rondava a Sonia de vez em quando. Esse dia no carro completou dois anos em setembro, mês do lançamento da biografia Ondas Tropicais (que escrevi em parceria com Alexandre de Melo). Sonia não chegou a ver o mês de setembro deste ano, seu corpo parou de funcionar no dia 26 de agosto, após uma batalha de três dias na UTI do hospital Santa Maggiori, em São Paulo. Eu a vi na noite de sexta, ela respirando com auxílio de oxigênio, já não falava, mas tinha uma expressão nos olhos que eu nunca vou esquecer, que dizia "pra mim, deu".

Como sempre fez em vida, ela deu jeito de resolver sua saída de forma elegante e rápida. Ao contrário da mãe, de quem ela cuidou durante anos em estado vegetativo, ela foi animar os bailes do céu, porque com certeza é pra lá que ela foi.

E ela gostava de alegria, de festa, de música nova ("odeio flashback", ela falava), de gente jovem. E é assim que ela será homenageada, no dia 28 de setembro, durante a programação do SP na Rua, numa programação da qual ela certamente teria orgulho. Ela também será homenageada no pôster da Semana de Música Eletrônica de São Paulo, que acontece entre 22 e 28 de setembro, no Centro Cultural Olido e em festas no Centro da cidade.

Primeira de tantas coisas, Sonia foi a primeira que me tirou as palavras. Finalmente este texto saiu e espero que faça jus ao seu enorme legado. Nos vemos, Musa!

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Sobre a autora

Claudia Assef é uma das mais respeitadas especialistas em música do país. É publisher do site “Music Non Stop” e ao lado de Monique Dardenne fundou o “Women's Music Event”, plataforma de conteúdo e eventos que visa aumentar o protagonismo da mulher na indústria da música.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre descobertas musicais, novidades, velharias revisitadas, tendências e o que está rolando na música urbana contemporânea, seja na noite ou nas plataformas de streaming mais próximas de você.

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