Girls Rock Camp é uma semana que muda a vida das meninas, entenda o que é
Claudia Assef
23/01/2019 16h04
"Eu fiz novas amizades aqui, percebi que todo mundo é igual, independente de tudo. Cada um tem a sua beleza, todas vocês são maravilhosas e lindas. Cada um é especial do jeito que é".
O depoimento acima foi dado ao microfone no encerramento de um dia como outro qualquer no Girls Rock Camp, projeto cuja sétima edição aconteceu em Sorocaba entre os dias 14 e 19 de janeiro. Mas, afinal, o que é o Girls Rock Camp?
Trata-se de um acampamento diurno de férias de verão onde meninas com idades entre 7 e 17 anos podem vivenciar aulas de música (práticas e teóricas), defesa pessoal, noções sobre feminismo, serigrafia, fanzine, grafite, performance de palco e, acima de tudo, como criar vínculos e empatia com outras meninas. Praticar e viver a tal sororidade, palavra tão em alta hoje em dia.
Oficina de grafite durante o Girls Rock Camp 2019
O Camp foi criado em Portland, nos Estados Unidos, em 2001, e hoje acontece em mais de 40 cidades americanas, além de outras 20 espalhadas pelo mundo. No Brasil, ele se estabeleceu em 2013 em Sorocaba, interior de São Paulo, e tem à frente a musicista e socióloga Flavia Biggs, que durante a realização do acampamento tem o apoio de dezenas de voluntárias que se dividem entre aulas, organização das bandas, trabalho na cozinha (elas organizam com todo o cuidado e carinho a chegada das marmitas de todas as campistas, colocando etiquetas com nomes para depois, na hora do almoço e do lanche, entregar as comidinhas a cada pequena roqueira). Além de Sorocaba, há edições do Camp em outras duas cidades brasileiras, Porto Alegre e Curitiba, e também uma versão para adultas, o Ladies Rock Camp, que acontece em julho, também em Sorocaba.
A socióloga e musicista sorocabana Flavia Biggs, diretora do Girls Rock Camp Brasil
Como de costume, o GRCB 2019 rolou num espaço emprestado (este ano foi no Sindicato dos Metalúrgicos). Assim como no resto do mundo, o evento é realizado no Brasil de forma independente e sem fins lucrativos. Pra se ter uma ideia do quanto ele é democrático, todas as meninas pagam uma taxa de inscrição no valor de R$ 250, que dá direito a todas as atividades do camp – exceto à comida, que deve ser trazida de casa diariamente. A novidade deste ano no quesito alimentação foi a oferta de um bufê de comida vegana, que podia ser pago no ato da inscrição, adicionando R$ 75 ao valor da mesma. Assim como no ano passado, optei por levar marmitas para as meninas, o que adiciona um fator highlander à experiência.
EXPERIÊNCIAS DO GIRLS E LADIES ROCK CAMP
1. Aprender um instrumento (guitarra, baixo, bateira, teclado e voz)
2. Montar uma banda só de mulheres ♥
3. Fazer uma composição autoral inédita!
4. Tudo em meio a diversas oficinas de empoderamento feminino
5. Fazer um show ao vivo!
Em 2018, levei apenas minha filha mais velha, a Luna, que ficou encantadíssima e voltou pra casa depois do primeiro dia de Camp chamando o projeto de "colossal" (nem sei de onde ela tirou essa palavra). Este ano, voltamos, desta vez com a minha caçula, Maia, que escolheu a guitarra como instrumento, e com a Alice, amiga das meninas que e roqueira desde as fraldas – ela até já teve banda com o pai!
As "minhas" campistas, Maia, Alice e Luna, na linha de frente, na foto oficial da banda Através do Espelho
A cada dia de manhã, quando eu e minha mãe (guerreira, veio me ajudar com trabalho na graxa) deixávamos as meninas no acampamento, observávamos o crescente apego das campistas umas com as outras e também com suas produtoras, professoras e empresárias. A cada ano, cerca de 100 voluntárias se revezam no trabalho no Camp em diferentes papéis. Cabe às produtoras e empresárias ensinar conceitos importantes na fundação de uma banda de verdade, como criação de letras de músicas, logo, identidade visual, performance de palco e coisas bem objetivas como a criação do press kit do grupo, incluindo como criar sua bio e, sim, no final da camp, cada garota ganha uma foto oficial da banda que elas mesmas criaram, tirada por uma fotógrafa profissional voluntária.
Difícil conter a emoção em vários momentos do Girls Rock Camp
Logo no ato da inscrição (as vagas abrem em outubro e se esgotam em poucas horas pelo Facebook do GRCB) a campista opta por um instrumento, mesmo que ela nunca o tenha tocado ou praticado na vida. Durante o acampamento, as meninas praticam com suas bandas durante duas horas diárias. Se dá pra aprender a tocar em uma semana? Claro que ninguém sai de lá detonando como musicista, mas o evento de encerramento do camp, que aconteceu no último sábado (19), na casa noturna Asteróide, reunindo shows das 15 bandas formadas por campistas, nos mostra que, sim, elas podem tocar. Na real, elas podem fazer tudo que quiserem. "O projeto é político, né? As voluntárias não recebem dinheiro, mas sabem da transformação social contida no projeto. O propósito é o empoderamento feminino e, enquanto a gente conseguir fazer, iremos fazer", diz Flavia Biggs.
Oficina de Yoga no Girls Rock Camp 2019
Do fundo do meu coração, desejo muito pique e energia à Flávia e ao grupo de voluntárias, que se renova todos os anos. Se depender de mim e das minhas filhas, nos próximos 10 anos, pelo menos durante uma semana em janeiro, nossas férias serão em Sorocaba.
MENINAS DO GRC2019 CANTAM O HINO DO CAMP
Sobre a autora
Claudia Assef é uma das mais respeitadas especialistas em música do país. É publisher do site “Music Non Stop” e ao lado de Monique Dardenne fundou o “Women's Music Event”, plataforma de conteúdo e eventos que visa aumentar o protagonismo da mulher na indústria da música.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre descobertas musicais, novidades, velharias revisitadas, tendências e o que está rolando na música urbana contemporânea, seja na noite ou nas plataformas de streaming mais próximas de você.