Item básico pras férias; Azul Moderno, de Luiza Lian, saiba como ele nasceu
Claudia Assef
27/12/2018 14h13
Ver um show da paulistana Luiza Lian é ingressar numa viagem a um universo paralelo comandado por ela, em que paisagens remetem a sonhos coloridos submersos numa trilha sonora melódica, serena, um convite assertivo à reflexão sobre religião, natureza, relacionamentos e o feminino.
Em setembro passado, Luiza lançou seu terceiro álbum, com dois shows lotados no Teatro Oficina, em São Paulo. Assim como seu show anterior, Azul Moderno trouxe a mesma aura de espetáculo teatral, onde figurino, cenografia e trilha sonora compõem como a figura delicada, de voz aveludada e gestos eloquentes de Luiza.
Cenografia, projeções, o mundo dos sonhos de Luiza Lian no Auditório Ibirapuera em 2017. Foto: Fernando Banzi
A base eletrônica continua sendo a massa condutora, criada e executada por Charles Tixier, que também produziu o disco anterior, o lindo Oyá Tempo (2017). Neste disco, porém, Charles divide a produção com o cantor e compositor Tim Bernardes, talvez por isso o resultado seja mais mais orgânico que o anterior. As letras são fortes, profundas, Luiza acerta na jugular quando fala de amores desfeitos ("agradeço a caminhada, mas eu vou em outra direção/me perdõe pelas palavras cruéis, doeu demais", em Azul Moderno), da sua fé nos orixás (Pomba Gira do Luar), do descuido com a natureza ("essa rua tem o nome de um rio, que a cidade sufocou/a vontade do rio de voltar às vezes sacode de algum lugar/a enchente lembra a população que o que é rua antes era vazão", em Iarinhas).
Um trabalho desses não passa batido, e Azul Moderno foi eleito Melhor Álbum de 2018 pelo prêmio APCA, e indicado como um dos melhores shows pelo WME Awards. Além de ser essa artista prolífica e sensível, Luiza conhece muito sobre o mercado da música, nasceu nele, aliás; ela é filha de Fabiana Lian, veterana do mercado de shows, fundadora da escola On Stage Lab.
Leia abaixo a entrevista com Luiza, mas antes dê o play no álbum, pra entrar no clima.
AZUL MODERNO – LUIZA LIAN
Li um post seu dizendo que 2018 foi uma dureza, você juntou todas os cachês pra poder pagar o álbum. Já teve algum momento que quis desistir da música?
Luiza Lian – Tem momentos bem difíceis, sim, mas eu amo muito o que faço, não consigo me imaginar sem fazer música ou tendo que levar um trabalho paralelo. Então vamos nessa de tentar construir uma cena que seja viável pra todes nós.
Conta um pouco do conceito por trás de Azul Moderno, por favor
Charles e Luiza
Luiza Lian – É mais difícil pensar nele assim, por que Azul não foi um disco muito feito a partir de um conceito, mas de alguns sentimentos e composições que permeavam eles. Junto a isso algumas ideias sobre a modernidade e o nosso tempo, e uma certa melancolia que existe nessa geração. A partir daí fomos experimentando e construindo as canções com dois desejos paradoxais, fazer um disco dos anos 70, cheio de uma vibe que só tinha nos discos do Jorge Ben, e um disco com os sons que estão fazendo a gente vibrar agora, das melodias da Ava Rocha às canções desconstruídas do Kendrick Lamar.
Seu som é supermoderno, o disco passado pra mim tinha um pé na witch house, este também tem sonoridades bem diferentonas, conta como funciona essa pesquisa musical, sua referências, e as do Charles também.
Luiza Lian – Nossa, é bem diversificado e bem conectado ao mesmo tempo. Às vezes estamos cada um partindo de um universo diferente, mas nos encontramos de um jeito muito forte. A referência inicial que dei pro Charles e pro Tim foi o Tábua de Esmeralda (Jorge Ben), Cor de Rosa e Carvão (Marisa Monte), no sentido da canção, da voz na frente e da levada samba rock, queria desconstruir a canção a partir deles. O Caetano Veloso é estrutural na minha formação, Metá Metá e a Ava Rocha são artistas que influenciaram muito meu jeito de compor desde que eu conheci. No meio do processo piramos muito em um disco Japonês chamado Swing Slow (Miharu Koshi e Haruomi Hosono), no disco Dirty Projectors, no Kendrick Lamar (How to Pimp a Butterfly mais que todos). Eu sei que um dos artistas que o Charles mais ama é o Madlib, mas não posso falar por ele, porque o menino é uma biblioteca muito peculiar de sons.
Você foi indicada como melhor show no Premio WME e ja se apresentou na conferência também. Sente que todo esse movimento de aumentar o protagonismo da mulher na música (com WME, Sonora, Sêla e outros projetos) vem surtindo efeito positivo?
Luiza Lian – Sim, com certeza. Essa insurgência de artistas mulheres e nosso esforço em visibilizar esses trabalhos, mostrar o quão desigual é o reconhecimento de artistas por conta de gênero fez com que o meio ficasse mais atento a isso, ou no mínimo sentisse vergonha de ter um line-up desigual em seu festival.
Queria que você deixasse um recado para meninas que estão começando na música e se espelham em você <3
Luiza Lian – Se aliem a artistas de outras áreas, apostem no trabalho deles como você gostaria que apostassem no seu. Não olhe só pra quem já está trabalhando e se consagrando – pra produzir seu disco, fazer sua capa, seu clipe – , se inspire nesses artistas, mas escolha parceiros pra crescerem junto com você.
Dá pra não amar?
Sobre a autora
Claudia Assef é uma das mais respeitadas especialistas em música do país. É publisher do site “Music Non Stop” e ao lado de Monique Dardenne fundou o “Women's Music Event”, plataforma de conteúdo e eventos que visa aumentar o protagonismo da mulher na indústria da música.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre descobertas musicais, novidades, velharias revisitadas, tendências e o que está rolando na música urbana contemporânea, seja na noite ou nas plataformas de streaming mais próximas de você.