Resistência clubber dançou com chuva e tudo no Dia da Música Eletrônica
Claudia Assef
02/10/2018 16h01
FOTOS FLÁVIO FLORIDO
Clubber não é feito de açúcar e, ao contrário do que dizem as más línguas, não derrete com facilidade, não. Foi o que aprendemos no último dia 30, o quarto domingo de setembro, data em que se celebra o Dia Municipal da Música Eletrônica de SP desde 2005. Levou 13 anos desde a sua criação para que a data fosse finalmente festejada, conforme contei neste post, e o evento fez jus à ampla e variada cena eletrônica que a cidade comporta.
Seu Osvaldo deu aquela benção ao rolê ao dar o pontapé
Os trabalhos do dia foram abertos às 11h pelo seu Osvaldo Pereira, primeiro DJ do Brasil, com todo o garbo e a elegância que o acompanham desde o início de sua carreira como discotecário, em 1958. Com a intimidade com os equipamentos de quem anda tocando com uma bela frequência para um senhor de 85 anos, seu Osvaldo fez sua habitual mistura de disco music, soul e música brasileira dançante. Chique demais. A benção havia sido dada, sob um céu limpo que colocou em dúvida a previsão do tempo, que trazia a temerosa notícia de 80% de chance de chuva.
Sob um sol de rachar, o público veio chegando aos poucos. A segunda atração, DJ Kleber Barry, do projeto Maratona Eletrônica, começou suave, com disco music, mas logo chegou à música eletrônica como conhecemos hoje, e passou o som para as DJs Ana Flávia e Paula Chalup, que deram uma aula de como mixar Michael Jackson, techno, house e ainda abrir espaço para produções nacionais, como a dançante faixa Danza, da DJ Mari Rossi.
Paula Chalup & Ana Flávia arrasaram logo cedo
O line-up deu a devida atenção à representatividade dos mais diversos núcleos festeiros da cidade. Por volta das duas da tarde, Gui Scott, do crew Gop Tun, assumiu elegantemente o som, e em seguida foi a vez de Trepanado, da dupla Selvagem, mostrar o resultado de seus preciosos garimpos. Logo depois dos afrobeats e outras pérolas do Trepanado, Phillipi A, do Fatnotronic, trouxe seus sons deliciosamente infectados pela disco music. A festa ainda estava começando e já havia passado nomes incríveis da discotecagem nacional na pista montada no Largo da Batatinha um dia após o gigantesco ato do #elenão.
Soninha e New Maris, apoio político foi fundamental
Falando em política, o evento recebeu a visita da vereadora Soninha Francine, uma entusiasta da música eletrônica de longa data. Aliás, foi ela quem criou em 2005 o Dia Municipal da Música Eletrônica e que provocou a celebração que ocorria ali no Batatinha. Contei detalhes sobre isso neste post.
Ao contrário do #elenão do dia anterior, tinha #elesim e #elasim pra tudo que era lado no Batatinha. Foi uma chuva de talentos vindos dos mais diversos backgrounds e épocas diferentes. Essa era a missão, construir um line-up que mostrasse a diversidade da pista paulistana ao longo de seus anos de construção e também atualmente. O público já bem engrossado mirava o céu com olhar um tanto desconfiado, pensando se afinal a água desabaria.
Enquanto a festa transcorria num clima de comunhão total, me passava pela cabeça o quanto era importante essa celebração de cunho "oficial", com apoio da Secretaria de Cultura, a uma cultura que sempre foi vista como marginal, menor, sem importância, coisa de drogado. No contexto socioeconômico tão complicado e angustiante quanto esse que estamos vivendo, foi um grito de vitória que, claro, precisava ser celebrado com muita dança e, por que não, muita água.
Outro pioneiro com uma verdadeira legião de fãs, Luiz Pareto trouxe ao palco parte de sua história fazendo festas de house em São Paulo (como não lembrar da Rebolado?!). Além do som festivo e que incitava a malemolência dos quadris, ele trouxe uma sequência de perucas, sua marca registrada ao longo de décadas de serviços prestados à house music.
A dupla Pareto e Corelli
Àquela altura, o céu já estava carregado de nuvens, mas foi sob a batuta regada a techno e house pesadinha de Edu Corelli, outro nome lendário da história de pista de Sampa, que o toró decidiu refrescar nossas cabeças. O peso do som foi mais forte que o medo de se molhar, e na frente do palco-caminhão ninguém arredou pé. Ao contrário, foi um dos pontos altos do evento ver a empolgação de Corelli pulando junto com seu público ensopado.
Para nós da produção foi um momento tenso porque tínhamos equipamentos caríssimos (alguns deles emprestados, ai meu Deus) pra proteger. Porém, tanto para os DJs quanto para a pista, o baile seguiu como se nada houvesse, apenas refrescado pelo esguicho de São Pedro. Parece até que foi Mauro Borges quem mandou lá de cima um chuvisco gelado pra ajudar a recarregar as baterias de geral.
A pista já estava novamente lotada – e a chuva dado uma trégua – quando o trio parada dura do techno Mau Mau, Renato Cohen e Anderson Noise chegou pro ataque triplo! Que honra ver esse momento, e que comunhão com a pista! Foi um mix de clássicos e novidades, além do momento gentileza, de tocar Simpaticona da Boate (cantada por esta que vos escreve) enquanto eu estava por ali no caminhão. Precisa dizer que eu quase desmaiei de emoção?
Renato Cohen, Anderson Noise e Mau Mau
Logo depois do back3back de estrelas foi a vez de conhecer a potência da dupla Amanda Mussi, da festa Dûsk, e Andrea Gram, um dos pilares do techno de São Paulo, com um histórico que remete à sua residência no Hell's Club. Não é à toa que eu a chamo de rainha. Foi lindo ver o clash harmônico de gerações entre a new e a old school de mulheres da música eletrônica nacional botando pra quebrar.
New generation on the block: Mari Herzer arrasou
A dupla da House of Divas (festa que comandam em SP) passou o bastão pra Mari Herzer, que vem mostrando seu talento em festas como a Mamba Negra. Segurou a pista lindamente, mostrando a força do som mais subsolo e inteligente. Preparou o terreno para o Casal Belalugosi, que chegou com o poder de seu som vampiresco e recheado de fire. Foi porrada, tiro e bomba em forma de música, ideal para segurar o tranco pra reta final do evento.
Casal Belalugosi cuspiu fire eletrônico
Enquanto isso, um time de performers da Coletividade Namíbia trazia aquele elan festivo que a gente gosta, e a VJ Elka Andrello projetava imagens de amor ao fervo na fachada de um prédio vizinho, transformando a pistona de dança em drive-in.
Projeções da Elka Andrello
Performances da Coletividade Namíbia
Nos bastidores, notícias um tanto tensas: a chuva tinha fechado o teto de São Paulo e impedido Tessuto e L_cio de pousar, vindos de BH. Enquanto esperávamos o desfecho, se eles iriam ou não conseguir chegar a tempo, uma nova dupla nasceu no improviso, e vimos em ação Amanda Mussi e Renato Cohen tocando lindamente juntos.
Passado o susto, e já com Tessuto e L_cio entre nós, foi o momento de acompanhar os momentos finais de nossa novelinha clubber, com DJs de várias gerações abraçados no palco acompanhando o set do pai da Capslock e o encerramento épico com o live de L_cio emocionando todo mundo.
L_cio foi o responsável por encerrar a maratona linda do DMESP 2018
Em tempos de estranheza e rivalidade na política, foi lindo ver que a música pode sim nos salvar. Canceriana que sou, não pude esconder umas lagriminhas no final, abraçando a equipe e já sonhando com o ano que vem.
Sobre a autora
Claudia Assef é uma das mais respeitadas especialistas em música do país. É publisher do site “Music Non Stop” e ao lado de Monique Dardenne fundou o “Women's Music Event”, plataforma de conteúdo e eventos que visa aumentar o protagonismo da mulher na indústria da música.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre descobertas musicais, novidades, velharias revisitadas, tendências e o que está rolando na música urbana contemporânea, seja na noite ou nas plataformas de streaming mais próximas de você.